– Próximo. –
anunciou a secretária.
Mediu-me
dos pés à cabeça e indagou, lendo a ficha com certa dificuldade:
– O senhor é o senhor
Esteban...Cunha...Machado?
Fiz que
sim com a cabeça e adentrei ao consultório. Lugar simples, nada das frescuras
que estou acostumado a ver nos outros consultórios. Uma pintura tosca na parede
frontal, com alguns rabiscos pintados em cores primárias. “Quais são mesmo as
cores primárias?”, me ocorreu. Fui surpreendido pela voz rouca do Dr. Mendonça:
– Gostou de alguma coisa? Posso
indicar a minha decoradora. – riu – É a minha esposa. Margareth nasceu com uma
veia artística muita aguçada. O senhor é o senhor Esteban, não?
Mais uma vez deixei que minha cabeça
respondesse por mim. Era um homem magro, aparentava uns 55 anos. Tinha cabelos
grisalhos, olhos azuis e aspecto padecido. Reparei que ele usava tênis All
Star, calça jeans e camisa de banda.
– É Pink Floyd. – disse-me num tom
amistoso – Ideal para expandir as ideias. – fez um sinal que remeteu ao uso de
maconha. Ri, meio sem vontade. – Então, o que o traz aqui, senhor Esteban?
– Eu... Eu...
–
Sente-se, por favor. – sugeriu com a cara esgarçada.
– Me
disseram que o senhor é o melhor psicólogo da cidade.
– Não gosto de falsa modéstia. Sou
um dos melhores, mas não o melhor. Aprendi bastante coisa na faculdade, e ainda
mais trabalhando aqui. Faz 18 anos que tenho esse consultório, sabia? 18 anos
no mesmo lugar. É bastante tempo, o senhor não acha?
Respondi que sim. Ele deu
continuidade ao seu discurso:
– 18 anos... Não são meses, tampouco
dias. São 18 anos. Só essa secretária que é meio tantã. – disse ele com
sarcasmo – O senhor não achou ela meio lentinha? Pode falar. Todos acham. –
riu.
Balancei a cabeça afirmativamente e
sorri. Até ia arriscar alguma piada acerca da destreinada secretária, mas ele
logo se adiantou:
– Ela está comigo há duas semanas.
Já estou procurando outra pessoa para substituí-la. Ela é muito burrinha, a
coitada. Ai, ai... E aí, vai me contar o que o trouxe aqui, ou vou ter que
falar durante... – olhou no relógio – os 54 minutos que lhe restam? A minha
hora não é barata, senhor Esteban.
– Não, não é.
– Então o que o trouxe aqui?
– É que eu tive um sonho...
– Que tipo de sonho?
– É que... Não fico à vontade de
falar com um...
– Estranho? Pode ficar sossegado.
Sei que tenho esse jeito descontraído, mas sou 100% profissional. O senhor me
acompanha numa dose de uísque?
“Profissional uma pinóia, quer
encher o rabo de álcool!”, pensei. Agradeci. Ele me disse que beberia mesmo
assim.
– Então, o senhor vai me contar que
tipo de sonho teve, ou quê?
– Foi um sonho... Um sonho erótico.
– Isso é comum. Não há com que se
preocupar. A maioria das pessoas tem sonhos eróticos. Posso até dizer que isso
é um clichê, senhor Esteban. Mas, sinceramente, não vejo motivos para o senhor
estar aqui se foi só um sonho erótico.
– Acontece que sou casado! –
respondi, num tom áspero – Sou casado há 13 anos, e tenho dois filhos.
– Entendo... O senhor já traiu a sua
esposa, senhor Esteban?
– Claro que não! Eu a amo... Amo
muito a minha família.
Ele me olhou como se notasse alguma
coisa de diferente. Pediu permissão para acender um cigarro e antes mesmo de
concedê-la ele o fez. Deu uma tragada lenta, procurou alguma coisa no ar e, ao
fim de alguns segundos de silêncio, indagou, com certa petulância:
– O senhor já teve algum tipo de
relação homossexual, senhor Esteban?
Respondi com um seco “Não”. Ele
continuou a me fitar, como se fosse uma cobra prestes a dar o bote.
– Olha, eu sou um profissional da
psicologia, senhor Esteban. Um dos melhores da cidade. Não é porque uso tênis
All Star, calça jeans e camisa de banda que o senhor vai me faltar com
respeito. O senhor marcou uma consulta... Uma consulta que não é barata, como o
senhor mesmo constatou. Então sugiro que o senhor desembuche logo!
A verdade é que
vivia me escondendo de todos. Desde menino sentia esse tipo de atração. Adorava
ir trabalhar com meu pai na fábrica. Não via a hora de dar 16h30 – hora exata
em que todos os funcionários iam para o banho.
Achavam graça na minha repentina excitação. Riam e brincavam: “Olha lá o
menino do Raimundo de pau duro!”. Eu ria, meio acanhado. Por mais estranho que
parecesse, meu pai enchia o peito e dizia, todo pomposo: “Esse é meu moleque”.
Confessei a ele
minha homossexualidade enrustida e pus-me a chorar, como uma criança assustada
que tem o brinquedo tomado por um estranho.
Fui sacudido por
Maria Helena, que me acordava num calmo ritmo:
– Esteban?...
Esteban?...
– Ãn?! O que
aconteceu? – perguntei meio assustado
– Você estava
sonhando, foi isso que aconteceu. Estava chorando. Está tudo bem, Esteban?
Fiquei meio
constrangido pela situação. Fiz que sim com a cabeça, só para Maria Helena
cessar aquele olhar cortante. Pensei, durante um tempo: “Mas era tão real: o
consultório, a pintura tosca, o Dr. Mendonça e suas esquisitices, a secretária
tonta... Tudo”. Tomei Maria Helena pelos braços e a beijei freneticamente, com
os olhos camuflados de desejo: “Eu te quero agora! Quero te foder!”, é o que
meus olhos diziam. Rolamos pela cama numa desprendida alucinação sexual.
Na manhã seguinte
pesquisei nos classificados, na seção de Psicologia: Dr. Mendonça... Dr.
Mendonça... Não havia nada.
Gilmar Ribeiro (piu!)
18/11/2011, às 11h06
*Não revisado
Nenhum comentário:
Postar um comentário