Michele entrou às pressas no quarto. Tinha respiração
ofegante e face marcada de pânico. Revirou todo o guarda-roupa, todas as
divisórias e gavetas. “Onde está?... Deve estar por aqui... Onde, meu Deus,
onde?”. Sentou-se no chão e, estática como uma rocha, pôs-se a pensar. Algum
tempo depois se levantou bruscamente, olhou em redor do quarto, como se
soubesse, bem lá no âmago, onde estava o tal objeto. Seguiu para a sala e
serviu uma dose de uísque. “Blended
Whisky”, dizia na garrafa, decerto era escocês. Bebeu tudo numa só
golada, o que provocou uma expressão desgostosa de nojo. Franziu os olhos pensativos e, sem muito hesitar,
lançou injúrias contra Pedro, seu irmão caçula: “Aquele amaldiçoado de uma figa
deve ter pegado! Eu mato, eu juro que mato”.
Pensou o
que faria se o menino a entregasse. Olhou fixamente para o espelho do corredor
que liga a sala à cozinha. Teve vontade de quebrá-lo, mas se conteve. Que
mentira teria de contar a seus pais se, por
ironia do destino, Pedro caísse da
escada e quebrasse o pescoço? “Ele saiu correndo, papai, disse pra não descer
as escadas correndo”; “Se pendurou no corrimão e deslizou, como se fosse um
abobado, quando vi já estava... Deus, meu irmãozinho – disfarçaria pranto”;
“Estava na cozinha preparando o lanche de Pedro, mamãe. A senhora fica uma
arara quando ele não toma o lanche da tarde. Foi tudo muito rápido, eu não pude
fazer nada, mamãe”.
A vontade
de matar Pedro era gigantesca, mas sabia que a peste do menino era
intocável. “Onde está?”, sussurrou com
pesar. A campainha tocou. Caminhou até a porta, olhou pelo olho-mágico e pôde
ver aqueles olhos verdes de lagartixa. Era o senhor Omar. “E agora, o que essa
múmia infeliz quer?!”. Atendeu.
– Boa
tarde, senhor Omar.
– Boa
tarde, minha linda. Por acaso o Lucas não está por aí?
Michele
observava atentamente a casa de dona Conceição. Estava maior, pintada de azul
escuro, com um portão verde musgo e um enorme pé de abacate na frente. Não se
lembrava da casa naquelas dimensões, da cor, do portão verde musgo, tampouco do
pé de abacate. Foi surpreendida pela voz cansada do senhor Omar.
– Michele?
Michele? Você estava... Como é mesmo que vocês dizem? Viajando. – riu.
–
Desculpe-me é que eu... – olhou para o pé de abacate – Não, não está. Ia
perguntar agora mesmo se o Pedro não estava lá. Parece que esses dois tomaram
chá de sumiço. – riu forçadamente – Agora se o senhor me dá licença tenho
muitas coisas a fazer. Foi muito bom vê-lo. Mande saudações à dona Mirtes.
Tchau, tchau. – bateu a porta na cara do homem.
Roeu a
unha do polegar, em sinal de ansiedade. Foi até o quarto dos pais, que estavam em
um churrasco na casa do tio Milton – um daqueles churrascos chatíssimos de
velhos nordestinos que só sabem falar aos berros, como um bando de animais.
Procurou na caixa de jóias da mãe. Sabia que seria uma ótima arapuca escondê-lo
ali, pois a mãe não passava um dia sequer sem fuçar na tal caixa, repleta de
adornos baratos que ganhara do pai. Abriu a caixa e procurou com demasiado anseio,
na esperança de encontrá-lo ali. Não havia nada além das velhas bijuterias
desbotadas. Procurou por mais algum tempo no quarto dos pais, sem muito
sucesso.
Fez uma
última busca por todos os cômodos da casa: sala, cozinha, banheiro, área de
serviço... Nada. Voltou ao seu quarto e deitou-se um pouco, a fim de esquecer a
importância em manter a discrição do tal objeto. Adormeceu.
Foi
acordada pela mãe.
– Levanta,
menina, já é meio-dia.
Saltou da
cama rapidamente. Ainda meio atordoada pôs-se a pensar: “E se ela encontrou? E
se Pedro me entregou? E agora?!”. Perguntou, fingindo interesse:
– E aí,
como foi o churrasco?
–
Churrasco? Que churrasco?
– Ah mãe,
o churrasco na casa do tio Milton. Não se faça de desentendida.
– Cê tá
endoidando, menina! O Milton não faz churrasco há... Faz um bocado de tempo.
Caminhou
apressadamente até o guarda-roupa. Abriu a porta do meio, verificou na terceira
gaveta, embaixo da saia jeans. Estava lá.
Gilmar Ribeiro (piu!)
18 de novembro de 2011, às 11h06
* Não revisado
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