segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Relação a dois é...

            Após três horas discutindo a relação, João Dárcio e Ivonete se acertam e tudo parece ficar bem.

– Ai, amor, sabe aquele ditado “E tudo acaba em pizza”? – diz Ivonete de maneira apaixonada ao marido.
– Que, que tem?
– Que, que tem que... Bem... Tudo acaba em pizza, né?
– Nem sempre. Quero dizer... É... Do que, que a gente tá falando, Preta?
– A gente tá falando que tudo acaba em pizza.
– Entendi. Eu acho. É...
– Entendeu? Pelo jeito acho que você entendeu mesmo!
Jeito? Que jeito, mulher?!
– Esse seu jeito pão-duro de ser!
– Pão-duro, eu?
– É. Pão-duro, unha-de-fome, miserável, avarento... – parou pensativa procurando mais algum sinônimo, mas não encontrou.
– Não seja injusta, Ivonete.
– Ivonete é a...
– Ivonete é quem, ãn?! É você. Maria Ivonete Costa Silva.
– Não me provoque, João Dárcio!
– Ah, agora é “Não me provoque, João Dárcio”? – diz o homem arremedando a esposa – Vá te catar!
– Vá te catar você, seu... Seu... – e mordia o próprio lábio de raiva.
– Seu o quê? Fala!
– Seu bêbado de merda!
– Como é que é?!
– É isso mesmo: seu bêbado de merda!
– Não seja estúpida, mulher! Eu não bebo há... – fez uma pausa pensativa e em seguida concluiu: – Eu não bebo há um bocado de tempo.
– Não?
– Não. – disse de maneira convicta.
– Você bebeu no Natal; bebeu no Réveillon; na festa da tia Luba; você bebeu no Carnaval; na Páscoa; no...
– Isso faz tempo. Agora sou um novo homem, um homem hígido. – disse João Dárcio com ênfase à sua nova aquisição de vocábulo.
– Hígi o quê?
– Nada. Quem sabe se você lesse um pouco mais...
– Tá me chamando de burra, seu idiota?!
– Entenda como quiser.
– Seu merda!
– Ah, vê se não amola, sua maluca.
– Maluca?! Maluca é sua mãe, que não te afogou na privada quando teve tempo!
– NÃO FALA DA MINHA MÃE!
– FALO SIM!
– OLHA QUE EU...
 – EU O QUÊ? ÃN?! E FALE BAIXO COMIGO QUE EU NÃO SOU AS SUAS RAPARIGAS!
...
– Imbecil! – disse Ivonete ao marido – Você é mesmo um idiota. Bobo. Insuportável. Você é um... Um... Eu te amo.
– Também te amo, Preta.
Se beijaram e fizeram as pazes.

Gilmar Ribeiro (piu!)
17/09/2012, às 11h39
Não revisado

sábado, 15 de setembro de 2012

Perfeisonificação

    João Ubaldo era impecável: nunca chorou de madrugada; nunca sentiu medo de escuro; nunca faltou com respeito aos mais velhos; nunca tirou notas vermelhas; nunca recebeu bilhetinhos na escola; nunca matou aula para fazer sabe-se lá o quê; nunca assistiu filmes impróprios para a sua idade; nunca brincou de médico; nunca se deitou sem escovar os dentes; nunca foi dormir depois das 21h00; nunca bebeu bebida alcoólica; nunca usou entorpecentes; nunca foi ao prostíbulo; nunca sentiu inveja de ninguém; nunca faltou ao trabalho; nunca desejou a mulher do próximo; nunca mentiu... João Ubaldo simplesmente nunca existiu.

Gilmar Ribeiro (piu!)
15/09/2012, às 17h01
Não revisado

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Sucessão dos dias: cachaça, rock and roll e equívocos


       Sentou-se ao balcão do bar e pediu uma dose de cachaça. Fazia um calor desgraçado naquela noite, uns trinta e cinco graus – ou mais! – e não havia dinheiro para nenhuma cerveja. Carregava nos bolsos pouco mais de três mangos. Tomaria algumas doses de cachaça e a última possivelmente seria mais generosa, pois assim a solicitaria ao atendente do bar. A banda de hard rock havia acabado de se apresentar. Pôde ouvir os últimos rifes de qualquer música que não pôde identificar. Talvez Led Zeppelin... Talvez Rush... Talvez... Aproximou as vistas do relógio que usava no pulso direito e pôde ver que já era tarde, não tarde para voltar para casa, ou para voltar ao trabalho, ou para voltar para qualquer coisa que havia deixado para trás. Era tarde para a vida e... Era provável que tivesse deixado a própria vida para trás. Provável, também, que o velho relógio tivesse sido levado pelo vício nesta mesma noite, assim como alguns resquícios de memória, qualquer integridade e... A banda começava a desmontar os instrumentos.
Foi ao banheiro. Demorou um pouco mais do que precisava para urinar. Tateou os bolsos à procura de seu maço de cigarros, mas não o encontrou. “Que diabo!”. Saiu do sanitário e a viu. Passou por ele e mexeu nos cabelos, estes ruivos, da cor das mais cálidas chamas que aqueles cansados olhos já sentiram. Usava roupas pretas, bota estilo cano alto e maquiagem pesada. Pôde ver o peso daqueles lábios cor de fogo em seus olhos, ardendo, debatendo-se, incomodando... Aproximou-se e pediu um cigarro à moça:
– Oi. Me dá um cigarro. – pediu descaradamente e depois sorriu.
– Como é?!
Coçou a barba em sinal pensativo e pediu mais uma dose de cachaça.
– DUAS, POR FAVOR! – emendou ao atendente. Depois à moça – Você toma uma dose de cachaça comigo?
– Cachaça?! – perguntou a moça fingindo estar admirada com o convite – Não bebo cachaça. Mas aceito uma cerveja.
– E eu aceito um cigarro. – sorriu.
Pegou o cigarro e disse que fumaria lá fora.
– AMIGO, É SÓ UMA DOSE DE CACHAÇA – disse ao atendente do bar.
Pegou seu copo de aguardente e bebeu tudo de uma vez e... Quando estava saindo, teve sua passagem impedida pela ruiva.
– Você não vai me esperar?
Saíram os dois juntos e fumaram juntos, e juntos permaneceram pelo resto da noite. Conversaram sobre qualquer filosofia vazia de qualquer coisa vazia... Nietzsche, Focault, Lipovetsky... Metafísica, literatura inglesa, sobre a obra de Nelson Rodrigues... E se beijaram, e se tocaram... Falaram sobre seus gostos musicais e sobre o que faziam em seu tempo livre... E falaram sobre sexo, e se beijaram mais... E depois voltaram para o bar.
– Pode deixar que eu te pago uma cerveja. – disse a moça a ele.
 Simulou um rápido constrangimento por não ter como pagar cervejas à moça, tão rápido que ela talvez nem tenha percebido o seu esforço. Sentaram-se em uma das mesas e desataram uma conversa qualquer sobre sabe-se lá o quê e... “Quem...? O quê...? Por quê...?”, pensou durante um tempo. E seus pensamentos vagueavam de fora para dentro, pois tentavam traduzir o que seus olhos viam nitidamente ali, ao alcance de suas vistas, mas não podiam compreender, e isso o intrigava; isso de ser incompreendido definitivamente o intrigava, e sua busca por algum sentido parecia, à essa altura, uma espécie de obsessão. Qualquer música do Deep Purple tocava enquanto ele a observava novamente, dos pés à cabeça; e tentou decifrá-la, tentou traduzir o que seus olhos viam. Tateou os bolsos à procura de seus óculos e... Inútil, eles não estavam ali; e mesmo se estivessem, seria igualmente inútil; na verdade, nem todas as palavras existentes em qualquer vocabulário poderiam expressar com precisão isso; e isso, na verdade, não é o tipo de coisa que se deve expressar, mesmo porque não existem palavras que expressem bem o que é isso. E isso o intrigava inteiramente, como se fosse uma mentira muitíssimo bem contada, mas que no fundo sabemos a verdade.
– Toma mais uma cerveja? – perguntou a moça.
Fez que sim com a cabeça sem nem ao menos atentar para o que lhe fora perguntado.  Tomou mais uma dose de cachaça, se levantou e... Estava excitado! Tentou cobrir o volume na calça com as mãos, o que tomou toda a atenção para suas mãos, que cobriam o volume na calça. Pediu desculpas e... O atendente do bar trouxe a outra cerveja e mais dois copos tulipa gelados. Tinha um olhar constrangido, face corada e gestos atrapalhados, não sabia mais onde colocar as mãos, se cobria o volume da calça, ou se as levava à cabeça, pedindo que se desmaterializasse ali mesmo. Depois pediu licença à moça e foi ao banheiro. Ainda estava excitado. “E isso é hora de ficar de pau duro?!”, pensou. Sentou-se no vaso e... Passado quinze minutos, sua repentina excitação havia cessado. Voltou ao bar.
– Espero que ainda tenha mais! – disse a moça enquanto tomava sua cerveja.
– Mais o quê?
A moça sorriu maliciosamente. Decerto pensou que a inesperada excitação se deu porque... De fato era muito formosa e elegante. Tinha olhos verdes, boca sedutora, seios imensamente fartos e...
– MAIS UMA CACHAÇA, POR FAVOR! – disse ele ao atendente.
Depois de beber a última dose de aguardente – havia decidido isso quando foi ao banheiro e contou suas últimas moedas –, ele a tomou pelos braços e a beijou desvairadamente. Após o beijo se desculpou pela boca recém visitada pelo gosto amargo da cachaça.
– Não faz mal. – disse a moça com demasiada naturalidade – Pra ser sincera, eu gostei de você. Tava até pensando...
“War Pigs” foi bruscamente reproduzida no último volume, enquanto alguns roqueiros gritavam e simulavam tocar guitarra próximo ao palco. Eles trocaram alguns olhares repletos de cumplicidade e... Logo após toda a agitação que fizeram ao som de Black Sabbath, eles saíram e... Chegaram ao apartamento dela, que ficava a algumas quadras do tal bar. Ela serviu algumas cervejas e disse para ele ficar à vontade; ele entendeu o ficar à vontade e tirou a camisa. Conversaram um pouco, depois se beijaram e depois tomaram uma rápida ducha. Ele se deitou no sofá enquanto ela exibia suas belas curvas. Aproximaram-se e se beijaram fervorosamente, como dois loucos incinerados que se amam e queimam de dentro para fora e... Aquilo que o intrigava havia sido decifrado. Afastou a moça com as mãos espalmadas e quase gritou quando ela se negou a afastar. Nada mais poderia ser feito, tudo estava completamente pela metade, redondamente equivocado. Vestiu suas roupas e pediu desculpas à moça, que nem o olhou na cara, e... Antes de se despedir pediu um cigarro e algum dinheiro para o transporte. Recebeu um maço com oito cigarros, uma caixa de fósforos e qualquer quantia que guardou nos bolsos. Saiu.
Andava em círculos pelas ruas do centro da cidade; já não fazia mais calor, e se fazia, não seria ele capaz de sentir. Na verdade fazia frio, e o frio que fazia não havia sido previsto em nenhum telejornal no dia anterior, ou durante a semana, ou em milhões de anos! Era um frio diferente, estranho e... Havia uma escassez sem tamanho de qualquer coisa que não sabia explicar bem o que era; sabia-se que faltava, mas como reclamar por algo que nem sabemos o que é? Isso o intrigava. “Mas que porra!”. Andava em círculos pelas ruas do centro como quem procura por aquilo que não se pode encontrar pelas ruas do centro. Entrou num bar qualquer, sentou-se ao balcão e pediu uma dose de cachaça.
Gilmar Ribeiro (piu!)
10/09/2012, às 02h27
Não revisado

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Sexo na rede

...
– Oi. Vc quer tc?
Santo Deus, o que é tc?!
Sempre achei estranha essa coisa de conhecer alguém pela internet. Tipo: você marca um encontro com a pessoa em um shopping tal – de repente até almoça, ou janta – e depois transa. Estranho e até mesmo perigoso, afinal você nunca sabe quem irá encontrar de fato. Às vezes pode ser uma foragida da polícia, procurada em lugares que você nem imaginava existir; ou uma louca psicopata que te cortará em pedaços mínimos com um bisturi afiadíssimo; ou mesmo um travesti bem dotado! Ou pior: vai que você marca com um tribufu que se deu ao trabalho de escolher sua melhor foto e a editou com muito capricho no Fotoshop!
– Oi?
– Oi. Tudo bem?
Cafona perguntar se a pessoa está bem, mesmo a pessoa sendo alguém que você não conhece? Um “Oi. Tudo bem?” denota tanta intimidade. Será que devemos ir direto ao ponto: “Oi, meu nome é Fulano e eu quero transar”? Não, muito deselegante.
– Tô bem sim. E vc?
– Vou indo.
– Legal. Me chamo Shirley69.
Shirley-meia-nove? Com um nome desses a pessoa só pode estar interessada em sexo casual, sem compromisso. Arrisco um nome semelhante:
– E eu me chamo R...
Porra! Apertei o enter sem querer. Tento consertar:
– Apertei o enter sem querer. (risos)
Quem em sã consciência escreve ‘risos’ em um bate-papo para indicar que está rindo?!
– Me chamo Marcos81.
– Engraçado...
O que pode ser engraçado nessas horas?
– O seu perfil marca que seu nome é Antônio Marcos Magalhães. =D Mas ñ tem foto.
Como assim o meu perfil marca que o meu nome é Antônio Marcos Magalhães?! Não me lembro de colocar o nome completo na porra do cadastro. E todo aquele papo de discrição na página inicial do site?
– É. Eu acho que coloquei o nome completo no cadastro.
– Ñ faz mal. =] Que idade vc tem, Marcos?
Que idade que eu tenho? Devo mentir, ou dizer a verdade? E se ela for uma dessas meninas que não ficam com tiozinhos de seus quarenta e poucos anos? Ou pior: e se ela for dessas meninas que levam a sério essa coisa de ficar com tiozinhos de quarenta e poucos anos, que vêm pra casa da gente, daí não quer ir embora, e quer uma tevê maior na sala, um celular novo, uma bicicleta ergométrica...?!
– Tenho 49.
– 49? Tá aí uma ótima idade para...
– Uma ótima idade para...?
– Uma ótima idade para beijar na boca! :-*
Uma ótima idade para beijar na boca. Fico meio bobo com o que ela escreve. Fantasio um pouco: será que é você mesmo na foto, hein boneca? Assim, desse mesmo jeitinho? Não vacilo e retruco com a mesma pergunta:
– E você, que idade você tem, minha linda?
– Coisa mais deselegante perguntar a idade de uma mulher, hein! RS RS RS... Tenho 23.
Vinte e três aninhos. É um bebê. Odeio reconhecer isso, mas tem idade para ser minha filha.
– Anota o meu número. De repente a gente marca. Eu curto caras mais velhos.
Agora não sei se me sinto lisonjeado, ou ofendido com o que ela disse. Será que quis enfatizar que gosta de homens mais maduros, experientes e viris, ou quis enfatizar o fato de eu ser um velho gagá, que – às vezes – precisa tomar um remedinho para o danado levantar?
– Então, o meu número é tal.
– Ok. Já anotei. O meu é tal. Se quiser anotar.
– Ok. Que tal vc colocar uma foto no seu perfil, hein? Queria ver como vc é.
Poderia fazer uma rápida descrição de como eu sou: assim-assim, tanto de altura, olhos azuis, cabelo grisalho – e talvez aumentar uns três centímetros de pau, só para valorizar um pouco o coitado.
– Foto? Você pode até achar engraçado, mas eu não sei como funciona esse negócio de foto.
– RS RS RS RS RS RS RS RS... É engraçado ñ. É normal.
– Normal. Sei. Eu sou velho, e gente velha não sabe mexer nessas coisas de internet. RS RS...
– Relaxa. Clica em “perfil”, depois em “editar perfil”, depois em “carregar foto de perfil”.
– Um minuto.
[5 minutos depois]
– E aí, gostou da foto?
– Ñ tá aparecendo nada. Certeza que vc postou certinho a foto?
– Eu achei que sim. Espera aí.
[3 minutos depois]
– E agora, já tá com a foto?
– Sim. =] Vc é um gato, sabia?
– Sou nada.
– É sim. Se eu te pego, eu acabo me apaixonando.
– Conversa.
– Tô falando sério. Vc é muito bonito e interessante.
– No duro?
– Duro?
Preciso parar de usar essas gírias de tio.
– Tá falando sério que eu sou bonito e...é...interessante?
– Claro que eu tô. Pq duvida?
– Não duvido. RS RS RS...
– Então me liga amanhã. De repente a gente vai naquele shopping tal, pega um cinema, come alguma coisa e depois...

Gilmar Ribeiro (piu!)
01/09/2012, às 01h58
*Não revisado