sexta-feira, 29 de junho de 2012

Coisa de guri

Quando a gente é criança tem extremo fascínio pelas coisas. Tudo é digno de grandeza absoluta. Qualquer coisa mais elaborada que fazemos – mesmo que seja só na nossa cabeça – é algo formidável, impossível de ser realizado. Ontem à tarde vi um menino se equilibrando em um pneu velho, como se fosse o próprio Robin, ou qualquer outro rapaz talentoso na arte de equilibrar-se. Tinha em seu rosto um sorriso triunfante. Parecia que tinha descoberto o que quer que seja de importante para a humanidade, quando, na verdade, estava apenas brincando em seu extraordinário brinquedo, já tido como desusado por algum adulto.
Quando a gente é criança sonha em ver o nosso time ganhar todos os jogos do mundo, em ter um carro super veloz, em ser gente grande. Quando eu crescer isso, quando eu crescer aquilo, quando eu for mais maior... E não tem ninguém para nos corrigir com suas chatíssimas análises sintática, morfológica, semântica... Pro diabo com isso tudo. Deixa eu em paz!
Criança sempre tem muito disso de ser herói, médico, super star, policial, detetive... Criança pode ser qualquer coisa, desde que não lhe falte imaginação e vontade. Quando criança a gente sonha em ser arquiteto, advogado, ator de novela... A gente sonha muito, sempre com os olhos abertos e expostos às luzes das estrelas e da cidade, que observamos maravilhados da laje de casa. Somos valentes, apontamos o indicador para as Três-Marias sem medo de nascer uma verruga em nosso dedo. Brincamos com fogo sem medo de fazer xixi na cama. Somos destemidos, mesmo sem saber bem o que é isso.
Criança não tem tantas obrigações, e se tem, faz de conta que são missões impossíveis: “Tenho de comer todo o brócolis!”, e uma música soa em nossos ouvidos como se fôssemos o Senhor Incrível ou a Mulher Maravilha, prestes a vencer um terrível inimigo. Quando criança somos ágeis como o Flash, fortes como o Super-Homem e astutos como o Batman. Somos todos esses super heróis num só. Somos um combo invencível. E já que falei em combo, criança adora hambúrguer + refrigerante + batata frita, tudo GRANDE, por favor!

Criança gosta de arremedar os outros, de brincar no barro, de provocar a velha com cara de bruxa que mora sozinha. Vão três ou quatro pestinhas – às vezes mais, dependendo da safra – colher manga no pé de árvore da velha com cara de bruxa, sempre atazanando a pobre mulher. Alguns meninos, estes mais endiabrados, se comprometem em certas maldades: esperam escurecer – por volta das sete e pouco da noite, mais ou menos – vão à porta da velha, pegam um pedaço de pau e batem com extrema veemência na porta, como se fossem derrubá-la. Escuta-se um cômico e desesperado grito de socorro: “Socorro! Polícia! Esses demônio não me deixa em paz! Socorro!”. Todos saem correndo.
Só quem é criança sabe o quanto é bom ser criança. Quando crescemos, sentimos vergonha das nossas aventuras infantis, queremos encobertá-las a qualquer preço. Outros, menos prostituídos pela maturidade, confessam tudo o que fizeram quando pequenos e admitem, com a mais dolorosa saudade, a vontade que têm de voltar àqueles bons tempos de guri.

“O que que você quer ser quando você crescer?
Alguma coisa importante
Um cara muito brilhante
Quando você crescer
Não adianta, perguntas não valem nada
É sempre a mesma jogada
Um emprego e uma namorada
Quando você crescer”

Raul Seixas


Gilmar Ribeiro (piu!)
29/06/2012, às 13h21
*Não revisado