Quando a gente é criança tem extremo
fascínio pelas coisas. Tudo é digno de grandeza absoluta. Qualquer coisa mais
elaborada que fazemos – mesmo que seja só na nossa cabeça – é algo formidável,
impossível de ser realizado. Ontem à tarde vi um menino se equilibrando em um
pneu velho, como se fosse o próprio Robin, ou qualquer outro rapaz talentoso na
arte de equilibrar-se. Tinha em seu rosto um sorriso triunfante. Parecia que
tinha descoberto o que quer que seja de importante para a humanidade, quando,
na verdade, estava apenas brincando em seu extraordinário brinquedo, já tido
como desusado por algum adulto.
Quando a gente é criança sonha em ver
o nosso time ganhar todos os jogos do mundo, em ter um carro super veloz, em
ser gente grande. Quando eu crescer isso, quando eu crescer aquilo, quando eu
for mais maior... E não tem ninguém para nos corrigir com suas chatíssimas
análises sintática, morfológica, semântica... Pro diabo com isso tudo. Deixa eu
em paz!
Criança sempre tem muito disso de ser herói,
médico, super star, policial, detetive... Criança pode ser qualquer coisa,
desde que não lhe falte imaginação e vontade. Quando criança a gente sonha em
ser arquiteto, advogado, ator de novela... A gente sonha muito, sempre com os
olhos abertos e expostos às luzes das estrelas e da cidade, que observamos
maravilhados da laje de casa. Somos valentes, apontamos o indicador para as
Três-Marias sem medo de nascer uma verruga em nosso dedo. Brincamos com fogo
sem medo de fazer xixi na cama. Somos destemidos, mesmo sem saber bem o que é
isso.
Criança não tem tantas obrigações, e
se tem, faz de conta que são missões impossíveis: “Tenho de comer todo o
brócolis!”, e uma música soa em nossos ouvidos como se fôssemos o Senhor
Incrível ou a Mulher Maravilha, prestes a vencer um terrível inimigo. Quando
criança somos ágeis como o Flash, fortes como o Super-Homem e astutos como o
Batman. Somos todos esses super heróis num só. Somos um combo invencível. E já
que falei em combo, criança adora hambúrguer + refrigerante + batata frita,
tudo GRANDE, por favor!
Criança gosta de arremedar os outros,
de brincar no barro, de provocar a velha com cara de bruxa que mora sozinha.
Vão três ou quatro pestinhas – às vezes mais, dependendo da safra – colher
manga no pé de árvore da velha com cara de bruxa, sempre atazanando a pobre
mulher. Alguns meninos, estes mais endiabrados, se comprometem em certas
maldades: esperam escurecer – por volta das sete e pouco da noite, mais ou
menos – vão à porta da velha, pegam um pedaço de pau e batem com extrema
veemência na porta, como se fossem derrubá-la. Escuta-se um cômico e desesperado
grito de socorro: “Socorro! Polícia! Esses demônio não me deixa em paz!
Socorro!”. Todos saem correndo.
Só quem é criança sabe o quanto é bom
ser criança. Quando crescemos, sentimos vergonha das nossas aventuras infantis,
queremos encobertá-las a qualquer preço. Outros, menos prostituídos pela
maturidade, confessam tudo o que fizeram quando pequenos e admitem, com a mais
dolorosa saudade, a vontade que têm de voltar àqueles bons tempos de guri.
“O que que
você quer ser quando você crescer?
Alguma coisa importante
Um cara muito brilhante
Quando você crescer
Não adianta, perguntas não valem nada
É sempre a mesma jogada
Um emprego e uma namorada
Quando você crescer”
Alguma coisa importante
Um cara muito brilhante
Quando você crescer
Não adianta, perguntas não valem nada
É sempre a mesma jogada
Um emprego e uma namorada
Quando você crescer”
Raul Seixas
Gilmar
Ribeiro (piu!)
29/06/2012, às 13h21
*Não revisado