Ele
Entrou sozinho e a pé. Pediu um quarto
qualquer e a sua única exigência foi um com TV funcionando. “Quanto fica?”,
perguntou à atendente; “Fica tanto”, respondeu a moça. Pagou o valor, pegou a
chave e subiu as escadas. “Quarto 206... 206... Aqui!”. Antes de entrar,
escutou qualquer coisa no quarto ao lado e podia jurar ter visto alguém o
observando pela fresta da porta – provável que uma mulher; decerto fora apenas
a sua imaginação. Entrou e olhou em
redor do cômodo: uma cama de casal com duas toalhas, dois sabonetes e alguns
preservativos em cima; um criado-mudo com cinzeiro acoplado; dois chinelos de
dedo... Sentou-se na cama e acendeu um cigarro; deu uma tragada lenta e
procurou qualquer coisa no ar, mas só encontrou um pequeno inseto que havia
pousado no teto. Levou as mãos à cabeça, pensativo e, de súbito, apagou as
luzes e colocou-se num sorumbático silêncio. As vozes do quarto ao lado
pareciam ricochetear nas paredes de seu quarto e causavam um inenarrável
incômodo sonoro; ora parecia que brigavam, ora que se amavam, ora que se
devoravam... Tirou uma carta de baralho da jaqueta – um ás de espada –, um pino de cocaína do bolso da calça e preparou
uma generosa carreira de pó; cheirou tudo com um pedaço de canudo e... Ligou a
TV e colocou em um filme pornô qualquer.
***
Eles
No
quarto ao lado, o casal – ela morena, de olhos castanhos e seios imensamente
fartos; ele louro, alto e de olhos claros – fumavam um cigarro de maconha ao
mesmo que riam desvairadamente. Ao fim de algum tempo de vã reflexão sobre
sabe-se lá o quê, ela disse ao parceiro:
– Vi o
tipo que entrou no quarto ao lado.
– Tipo?
Que tipo?
– Na
hora que você foi no banheiro mijar eu espiei pela porta e vi o tipo que entrou
no quarto ao lado.
– Que,
que tem? – indagou o companheiro.
– Que,
que tem que... – deu mais uma tragada no baseado e em seguida continuou,
prendendo a fumaça nos pulmões – que, que tem que a gente podia, sei lá... –
soltou a fumaça – ele tá sozinho e... A gente podia chamar ele pra vir aqui com
a gente, não?
– Que
diabo! – exclamou o parceiro – Será que você não consegue pensar em outra coisa
senão fodeção a três?! – perguntou ao mesmo que ria.
– Não,
não consigo. – respondeu a moça com a cara esgarçada – E aí, o que, que cê me
diz?
***
Ele
Ele
estava deitado na cama olhando para o teto. Pensou em sua vida e em todos os
problemas que a compõe. Teve vontade de chorar, de gritar, de esmurrar as
paredes – ‘MAS QUE PORRA!’ –, no entanto conteve o pranto e toda a ira. O pornô
estava em seu ápice e a atriz parecia mesmo ter um orgasmo, ou era, de fato,
uma boa atriz – coisa difícil de ver nesse gênero de filme. Seu olhar estava completamente
perdido e já nem olhava mais para a TV. Escutou mais algumas risadas no quarto
ao lado; encostou o ouvido esquerdo na parede e teve certeza de ouvir um estridente
“Mas você tem certeza?”.
***
Eles
– Tenho.
– respondeu a moça ao parceiro – Eu quero muito e, se você realmente me ama,
coisa que duvido – riu – você acatará o meu pedido.
– Está
bem, sua ninfomaníaca. – disse o parceiro com sorriso malicioso; se beijaram
com demasiada voracidade e depois ele, envolto por uma imensa dúvida, perguntou:
– Tá, mas como que a gente faz?
– Ué! –
disse sua parceira com ar de espanto – A gente vai lá e chama o tipo até aqui.
Ele tá sozinho e não deve tá fazendo nada no quarto. – fez uma pequena pausa e
em seguida continuou, com sorriso irônico – Nada além de bater punheta. – riu.
– E o
cara? Como que ele é?
– Ele é
bonito: pele morena, um pouco mais claro que eu, é... Cabelos escuros e barba
por fazer. Não muito alto, não muito baixo... Deve ter uns... Um metro e
setenta e cinco, sei lá. E aí, topa? – perguntou a moça logo após fazer sua
breve descrição.
***
Ele e ela
Levantou-se
e caminhou pelo quarto. Ameaçou pegar o telefone e pedir qualquer coisa para
beber, mas logo mudou de ideia.
Novamente tirou do bolso a carta de baralho e preparou mais uma carreira de
cocaína. Era o seu último tiro e... A campainha tocou. Cheirou tudo de maneira
assombrosa e caminhou até a porta.
– EU NÃO
PEDI NADA. – disse em tom áspero.
– Eu
sei. – disse a moça – É que eu tou aqui no quarto ao lado e... – fez uma pausa,
como quem procura a melhor palavra para expressar o que se pretende, mas não a
encontrou; deu continuidade à sua prosa em um tom de quem pede algo que não se
pode negar: – É que eu tou aqui ao lado com o meu namorado e a gente viu... Na
verdade eu vi a hora que você chegou e... Você tá sozinho, né?
Ele
abriu a porta e a observou dos pés à cabeça. Balançou a cabeça afirmativamente
e, depois de algum tempo de silenciosa contemplação, respondeu com palavras o
que lhe fora perguntado:
– Sim.
Eu tou sozinho. Foi por isso que entrei num motel sozinho: para ficar sozinho.
– concluiu de maneira grosseira.
– Nossa!
– disse a moça com os olhos baixos – Desculpe-me... Eu só queria ser gentil, te
chamar para, sei lá, de repente tomar alguma coisa com a gente e...
– EU NÃO
TOU A FIM. – pegou a maçaneta da porta e, antes de fechá-la, disse à moça,
ironicamente: – Obrigado pelo convite. Boa noite.
– E você
vai fechar a porta na minha cara, seu chinelão?! – perguntou com olhar estupefato.
– Como é
que é?
– Olha,
na boa... Eu vim aqui te chamar pra beber alguma coisa com a gente... A gente
tem Deus sabe quantos pinos de cocaína, tem maconha e eu tou com uma vontade
desgraçada de meter a três, mas se você não tá a
fim, enfia essa merda que você
tem no meio das pernas no rabo! – e virou as costas para regressar ao seu
quarto, mas foi agarrada pelo braço.
– Espera. – pediu ele de maneira quase
suplicante; depois mirou para dentro de seu quarto, para a TV exibindo um pornô
qualquer, e disse: – Eu topo.
***
Os
três
Entraram
no 208. A moça caminhou às pressas em direção ao banheiro, enquanto os dois
rapazes se encararam por alguns instantes.
– Então
você é o tipo que a Lu falou? – perguntou o namorado da moça.
Sérgio fez que sim com a cabeça e cruzou os
braços. Depois, sem saber ao certo o que fazer, perguntou o que de mais simpático lhe ocorreu:
– Seu nome é...?
– O meu nome é Gerson. E o seu?
– Sérgio.
– E EU ME CHAMO LU! – gritou a moça de dentro
do banheiro; depois deu a descarga e saiu: – Não disse que ele era bonitão,
amor. É Sérgio o seu nome, né? Com ou sem acento?
– Com acento. – respondeu sem entender o
porquê da pergunta.
– Tá, mas o acento é grande? – e dirigiu a mão direita para o cós de sua calça.
– Ué, mas ainda tá mole! – disse admirada.
– Está. – respondeu Sérgio com olhar
constrangido.
– Tá, agora vamos parar com a pouca vergonha,
rapaz! – disse Gerson ao mesmo que ria. – A gente faz o que primeiro: trepa,
cheira, fuma, ou o quê?
– Por mim a gente trepa. – respondeu Lu,
animadíssima; beijou o namorado e em seguida o outro. – Eu sou louca por ménage a trois!
– A gente pode ao menos dar um tiro antes? – pediu Sérgio, de maneira
suplicante.
Gerson entregou-lhe um pino de cocaína e
advertiu:
– Essa é da pura. Pega leve. – e riu.
Sérgio enrolou uma nota de vinte dólares e
depois tirou seu ás de paus do bolso da jaqueta; preparou, de maneira dedicada,
uma majestosa carreira de cocaína e cheirou tudo com demasiada veemência.
– O que, que é isso? – perguntou Lu,
apontando para a carta de baralho.
– É um ás de paus.
– Não me diga! – disse Gerson em tom irônico.
– Eu sei que parece bobagem... – disse Sérgio
aos dois, enquanto fungava qualquer resquício de pó em seu nariz; depois
concluiu: – É que, no tarô, o ás de paus representa a morte e, dramaticamente,
é meio que isso que a cocaína representa pra mim. Entendeu?
– Tá, mas nesse esquema de cartas e tudo
mais, a gente não precisa ir, sei lá, numa cartomante, daí ela tira a sorte pra
gente? – indagou Lu, de maneira fascinada.
– Na verdade sim, mas eu faço a minha própria
sorte.
– Como assim?
– Mesmo sendo um viciado, eu que escolho dar
mais um tiro, sabe? Tá sempre na
minha mão escolher se paro de uma vez por todas com essa merda que vai acabar me
matando, ou se continuo e morro logo.
– Entendi... – disse Lu com olhar perdido. –
Tá, agora a gente pode foder?
E começaram num ritmo meio lento, não tão à
vontade; depois deram mais alguns tiros,
fumaram um baseado e transaram mais. “VOU PEDIR ALGUMAS CERVEJAS PRA GENTE!”,
disse Sérgio aos dois; discou para a recepção e pediu um balde com doze latas
de cerveja; “ELES JÁ VÃO TRAZER”; aproximou-se de Lu e a beijou freneticamente;
passou a língua atrás de sua orelha esquerda, enquanto Gerson beijava os seus
seios.
– Isso! – dizia Lu. – Quero que vocês dois me
fodam! Vem você aqui na frente, amor; e você aqui atrás, Sérgio.
E transaram por algumas horas, sempre
alternando o sexo entre alguns tiros e
uns tragos no baseado.
...
– Incrível! – disse Lu. – Você fez uma mulher
muito feliz, cara.
Sérgio
sorriu, meio acanhado; seus olhos diziam “Não há de quê”. Gerson preparava mais
um cigarro de maconha. Fumaram o último baseado juntos e depois Sérgio disse
que voltaria ao seu quarto.
– Anota
o nosso telefone. – sugeriu Gerson; Lu não conseguiu disfarçar o instantâneo
contentamento.
– Qual o
número?
– É tal.
– e disse o número. – Ah, não esquece que tem que colocar a porra do nove
agora, tá?
– Ok. Tá
salvo.
– Mas é
pra ligar, viu! – disse Lu ao rapaz ao mesmo que ria. – Foi um prazer quase
inimaginável foder com você, Sérgio. Aliás, com os dois. – e beijou o namorado.
Eles se
despediram com um selinho.
***
Eles
Os dois se abraçaram e um honesto “obrigado”
saiu dos lábios de Lu; se deitaram a fim de descansar um pouco, mas acabaram
pegando no sono.
***
Ele
Sérgio seguiu para o seu quarto, arrumou as
suas coisas e saiu sozinho, da mesma maneira que entrou.
Gilmar Ribeiro (piu!)
23/10/2012, às 22h18
Não revisado