domingo, 25 de novembro de 2012

Pipoca do diabo



E caminhava cautelosamente pelas ruas de seu bairro; já passava das 21h15. Não devia nada a ninguém, mas, devido essa terrível onda de ataques inesperados – até porque se fossem esperados não seriam ataques –, ele vivia constantemente refém do medo.
Se passasse uma moto qualquer na rua já imaginava  a pior das cenas: PÁ-PÁ! E estaria morto, caído ao chão. Se visse um propício assassino na sinistragem das ruas (como ele mesmo dizia) já era sinal de alerta, pois, a qualquer momento, PÁ-PÁ! E tudo estaria fatalmente acabado. Se alguém parasse para lhe pedir informação PÁ-PÁ! Carros pretos PÁ-PÁ! Não podia vacilar.
Seus pensamentos circundavam a mórbida e já obsessiva ideia de morte por arma de fogo. Não conseguia pensar em outra coisa se não em PÁ-PÁ-PÁ! Desconfiava de todos: homens, mulheres, civis, fardos à paisana, usuários de entorpecentes, meninos vida-loka...
Viu passar o velhinho que vende pipocas; desejou-lhe boa noite e sorte nas vendas. Continuou pensando em toda a terrível onda de violência urbana que o aprisionava em um mun... PÁ-PÁ-PÁ! Abruptamente o velhinho tirou um 38 de dentro das pipocas e o matou à queima roupa.

Gilmar Ribeiro (piu!)
26/11/2012, às 00h57
Não revisado

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Literalmente gatuno



                 – Prendam-no! – gritou a voz de dentro da biblioteca pública.
            Ele saiu às pressas, ao mesmo que fingia que não era com ele; parou um pouco, levantou a camisa para que vissem que não portava nada – os livros estavam dentro de suas cuecas –, e em seguida desatinou a andar mais rápido. Foi interceptado a algumas quadras por um carro vermelho. Teve uma cínica expressão de “Que foi?!”. O homem abaixou o vidro do carro e disse:
            – O senhor faça a gentileza de devolver os livros que roubou!       
– Livros?
Ele tinha muitos talentos e, sem sombra de dúvidas, o cinismo era um dos mais notáveis; levantou novamente a camisa e disse, fingindo admiração:
– Não roubei nenhum livro!
– Eu escutei a sirene da biblioteca. Sai correndo e sei que foi você, seu trombadinha!
– Certamente a tal sirene está com defeito, oras! E eu gostaria que o senhor me tratasse com mais respeito.
– Devolva-me os livros, seu moleque!
– Não devolvo nada! – vacilou – Digo, não devolvo porque não roubei nada. Não sou ladrão!
– Isso é o que veremos. – fez sinal para um carro de polícia que passava.
– Boa tarde, senhor policial. Esse moleque acabou de roubar um livro. – e apontou para o menino.
– Não roubei nada, veja. – e mais uma vez levantou a camisa para que verificassem que, de fato, não havia roubado nada – Acontece que esse senhor me pegou para Cristo e está me difamando.
– Cínico! – disse o homem em tom agressivo.
– O senhor trabalha na biblioteca? – perguntou o policial.
– Trabalho sim, senhor.
– Então tá, conte-me o que houve, calmamente. – o policial ainda estava no carro.
– Acontece que esse moleque...
– Mais respeito, por favor!
– É só o que me faltava: ter respeito por um ladrãozinho! – disse ironicamente o homem da biblioteca.
– Não sou ladrão! – disse novamente o menino em seu próprio favor – Acontece que esse senhor...esse senhor... – fungou e fingiu pranto – Meu Deus! – e seu cinismo ia ao ápice.
– Então, o que houve? – tornou a perguntar o policial.
– O que houve foi que esse tipo aí, ó – e apontou para o menino – acabou de roubar um livro na biblioteca.
– Eu não roubei nada. Eu juro. – e seu pranto era digno de um Globo de Ouro.
– Olha, você pode ir embora, meu filho. – disse o policial ao menino.
– O QUÊ?! NÃO ME DIGA QUE VAIS LIBERAR ESSE MARGINAL, ESSE DELINQUENTE DE UMA FIGA?! NÃO PODE SER!
– O senhor não tem nenhuma prova de que este menino furtou alguma coisa. E a polícia tem mais o que fazer, meu senhor.
– Mas a sirene...
– A sirene deve estar com algum defeito, oras. – disse o menino com leve tom de ironia enquanto secava as falsas lágrimas.
– Com defeito deve estar a...
– Mais respeito, por favor. – pediu calmamente o militar.
– RESPEITO É UMA PINOIA!
– Se o senhor não se controlar, terei de levá-lo a delegacia por desacato*.
– Mas o culpado é ele! – e apontou para o menino – Ele que roubou um livro.
– O correto seria “furtou”, caso eu tivesse furtado alguma coisa. – corrigiu o menino ao mesmo que deixou escapar um leve sorriso irônico.
– Mas... Mas...
E o homem não encontrou palavra alguma que lhe  servisse de argumento; se calou e concordou em libertar o lisíssimo gatuno literário; este se viu livre de responder por furto de romance histórico duplamente qualificado e, também, extravio de obra literária realista. A pena prevista para esses hediondos crimes é de três a seis meses de serviço voluntário em alguma escola pública.

[*... Faltar com o respeito para com um funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Isto é, incorre nesse crime aquele que ofende o agente público em serviço, bem como aquele que ofende alguém em razão de função pública que este exerce. A pena prevista é de detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa, segundo o artigo 331 do Código Penal...]


Gilmar Ribeiro (piu!)
19/11/2012, às 16h47
Não revisado

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Aula de português - 1



...
Tudo bem, gente? Meu nome é Professor Wildson Sanches e eu vou dar aula de Português para vocês. Toda a parte de Redação, Gramática e Literatura Portuguesa eu que vou dar para vocês, ok? Ééé... Deixa eu falar um pouco da minha formação: sou formado em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Língua Francesa, e suas respectivas literaturas, pela Universidade Onze de Setembro (Unos). Depois fiz a minha pós em Linguística Avançada, também pela Unos; agora tô mestrando, pela Unos também. Ééé... Vocês tiveram aula de quê ano passado? Barroco? Modernismo? Crase? Ok. Mais o quê? Regência? Hm. Tá, então vamos fazer uma pequena revisãozinha sobre regência, ok? O que, que é regência? A regência ocorre quando a oração subordinada pede assonância da voz passiva por oposição morfológica que tenha mesmo sufixo regente de preposição adjetiva. Ou seja, a regência vai ocorrer apenas e exclusivamente quando ocorrer preposição adjetiva na oração subordinada. “Professor, e se for oração subordinada assindética?”. A mesma coisa, GENTÊ. Tudo bem? Alguma dúvida? Ok. E se a preposição for subordinativa? Daí é quase a mesma coisa. Na frase “João saiu ontem”, quem é o sujeito? “João”, certíssimo. O sujeito da frase é “João”; o verbo é “sair”, verbo de ligação direto e indireto e “ontem” é advérbio prepositivo de tempo. Daí nesse caso não ocorre regência. Repitam comigo: não ocorre re-gên-ci-ahh! Isso. Agora vamos falar um pouco sobre oração assindética. Vocês lembram que a Metonímia é a parte da Gramática que estuda a...

Gilmar Ribeiro (piu!)
09/11/2012, às 00h16
Não revisado

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ménage a trois



Ele
Entrou sozinho e a pé. Pediu um quarto qualquer e a sua única exigência foi um com TV funcionando. “Quanto fica?”, perguntou à atendente; “Fica tanto”, respondeu a moça. Pagou o valor, pegou a chave e subiu as escadas. “Quarto 206... 206... Aqui!”. Antes de entrar, escutou qualquer coisa no quarto ao lado e podia jurar ter visto alguém o observando pela fresta da porta – provável que uma mulher; decerto fora apenas a sua imaginação. Entrou  e olhou em redor do cômodo: uma cama de casal com duas toalhas, dois sabonetes e alguns preservativos em cima; um criado-mudo com cinzeiro acoplado; dois chinelos de dedo... Sentou-se na cama e acendeu um cigarro; deu uma tragada lenta e procurou qualquer coisa no ar, mas só encontrou um pequeno inseto que havia pousado no teto. Levou as mãos à cabeça, pensativo e, de súbito, apagou as luzes e colocou-se num sorumbático silêncio. As vozes do quarto ao lado pareciam ricochetear nas paredes de seu quarto e causavam um inenarrável incômodo sonoro; ora parecia que brigavam, ora que se amavam, ora que se devoravam... Tirou uma carta de baralho da jaqueta – um ás de espada –, um  pino de cocaína do bolso da calça e preparou uma generosa carreira de pó; cheirou tudo com um pedaço de canudo e... Ligou a TV e colocou em um filme pornô qualquer.
***
Eles
            No quarto ao lado, o casal – ela morena, de olhos castanhos e seios imensamente fartos; ele louro, alto e de olhos claros – fumavam um cigarro de maconha ao mesmo que riam desvairadamente. Ao fim de algum tempo de vã reflexão sobre sabe-se lá o quê, ela disse ao parceiro:
            – Vi o tipo que entrou no quarto ao lado.
            – Tipo? Que tipo?
            – Na hora que você foi no banheiro mijar eu espiei pela porta e vi o tipo que entrou no quarto ao lado.
            – Que, que tem? – indagou o companheiro.
            – Que, que tem que... – deu mais uma tragada no baseado e em seguida continuou, prendendo a fumaça nos pulmões – que, que tem que a gente podia, sei lá... – soltou a fumaça – ele tá sozinho e... A gente podia chamar ele pra vir aqui com a gente, não?
            – Que diabo! – exclamou o parceiro – Será que você não consegue pensar em outra coisa senão fodeção a três?! – perguntou ao mesmo que ria.
            – Não, não consigo. – respondeu a moça com a cara esgarçada – E aí, o que, que cê me diz?
***
Ele
            Ele estava deitado na cama olhando para o teto. Pensou em sua vida e em todos os problemas que a compõe. Teve vontade de chorar, de gritar, de esmurrar as paredes – ‘MAS QUE PORRA!’ –, no entanto conteve o pranto e toda a ira. O pornô estava em seu ápice e a atriz parecia mesmo ter um orgasmo, ou era, de fato, uma boa atriz – coisa difícil de ver nesse gênero  de filme. Seu olhar estava completamente perdido e já nem olhava mais para a TV. Escutou mais algumas risadas no quarto ao lado; encostou o ouvido esquerdo na parede e teve certeza de ouvir um estridente “Mas você tem certeza?”.
***
Eles
            – Tenho. – respondeu a moça ao parceiro – Eu quero muito e, se você realmente me ama, coisa que duvido – riu – você acatará o meu pedido.
            – Está bem, sua ninfomaníaca. – disse o parceiro com sorriso malicioso; se beijaram com demasiada voracidade e depois ele, envolto por uma imensa dúvida, perguntou: – Tá, mas como que a gente faz?
            – Ué! – disse sua parceira com ar de espanto – A gente vai lá e chama o tipo até aqui. Ele tá sozinho e não deve tá fazendo nada no quarto. – fez uma pequena pausa e em seguida continuou, com sorriso irônico – Nada além de bater punheta. – riu.
            – E o cara? Como que ele é?
            – Ele é bonito: pele morena, um pouco mais claro que eu, é... Cabelos escuros e barba por fazer. Não muito alto, não muito baixo... Deve ter uns... Um metro e setenta e cinco, sei lá. E aí, topa? – perguntou a moça logo após fazer sua breve descrição.
***
Ele e ela
            Levantou-se e caminhou pelo quarto. Ameaçou pegar o telefone e pedir qualquer coisa para beber, mas logo  mudou de ideia. Novamente tirou do bolso a carta de baralho e preparou mais uma carreira de cocaína. Era o seu último tiro e... A campainha tocou. Cheirou tudo de maneira assombrosa e caminhou até a porta.
            – EU NÃO PEDI NADA. – disse em tom áspero.
            – Eu sei. – disse a moça – É que eu tou aqui no quarto ao lado e... – fez uma pausa, como quem procura a melhor palavra para expressar o que se pretende, mas não a encontrou; deu continuidade à sua prosa em um tom de quem pede algo que não se pode negar: – É que eu tou aqui ao lado com o meu namorado e a gente viu... Na verdade eu vi a hora que você chegou e... Você tá sozinho, né?
            Ele abriu a porta e a observou dos pés à cabeça. Balançou a cabeça afirmativamente e, depois de algum tempo de silenciosa contemplação, respondeu com palavras o que lhe fora perguntado:
            – Sim. Eu tou sozinho. Foi por isso que entrei num motel sozinho: para ficar sozinho. – concluiu de maneira grosseira.
            – Nossa! – disse a moça com os olhos baixos – Desculpe-me... Eu só queria ser gentil, te chamar para, sei lá, de repente tomar alguma coisa com a gente e...
            – EU NÃO TOU A FIM. – pegou a maçaneta da porta e, antes de fechá-la, disse à moça, ironicamente: – Obrigado pelo convite. Boa noite.
            – E você vai fechar a porta na minha cara, seu chinelão?! – perguntou  com olhar estupefato.
            – Como é que é?
            – Olha, na boa... Eu vim aqui te chamar pra beber alguma coisa com a gente... A gente tem Deus sabe quantos pinos de cocaína, tem maconha e eu tou com uma vontade desgraçada de meter a três, mas se você não tá a fim, enfia essa merda que você tem no meio das pernas no rabo! – e virou as costas para regressar ao seu quarto, mas foi agarrada pelo braço.
              Espera. – pediu ele de maneira quase suplicante; depois mirou para dentro de seu quarto, para a TV exibindo um pornô qualquer, e disse: –  Eu topo.
***
Os três
            Entraram no 208. A moça caminhou às pressas em direção ao banheiro, enquanto os dois rapazes se encararam por alguns instantes.
            – Então você é o tipo que a Lu falou? – perguntou o namorado da moça.
Sérgio fez que sim com a cabeça e cruzou os braços. Depois, sem saber ao certo o que fazer, perguntou o que de mais simpático lhe ocorreu:
– Seu nome é...?
– O meu nome é Gerson. E o seu?
– Sérgio.
– E EU ME CHAMO LU! – gritou a moça de dentro do banheiro; depois deu a descarga e saiu: ­– Não disse que ele era bonitão, amor. É Sérgio o seu nome, né? Com ou sem acento?
– Com acento. – respondeu sem entender o porquê da pergunta.
– Tá, mas o acento é grande? – e dirigiu a mão direita para o cós de sua calça. – Ué, mas ainda tá mole! – disse admirada.
– Está. – respondeu Sérgio com olhar constrangido.
– Tá, agora vamos parar com a pouca vergonha, rapaz! – disse Gerson ao mesmo que ria. – A gente faz o que primeiro: trepa, cheira, fuma, ou o quê?
– Por mim a gente trepa. – respondeu Lu, animadíssima; beijou o namorado e em seguida o outro. – Eu sou louca por ménage a trois!
– A gente pode ao menos dar um tiro antes? – pediu Sérgio, de maneira suplicante.
Gerson entregou-lhe um pino de cocaína e advertiu:
– Essa é da pura. Pega leve. – e riu.
Sérgio enrolou uma nota de vinte dólares e depois tirou seu ás de paus do bolso da jaqueta; preparou, de maneira dedicada, uma majestosa carreira de cocaína e cheirou tudo com demasiada veemência.
– O que, que é isso? – perguntou Lu, apontando para a carta de baralho.
– É um ás de paus.
– Não me diga! – disse Gerson em tom irônico.
– Eu sei que parece bobagem... – disse Sérgio aos dois, enquanto fungava qualquer resquício de pó em seu nariz; depois concluiu: – É que, no tarô, o ás de paus representa a morte e, dramaticamente, é meio que isso que a cocaína representa pra mim. Entendeu?
– Tá, mas nesse esquema de cartas e tudo mais, a gente não precisa ir, sei lá, numa cartomante, daí ela tira a sorte pra gente? – indagou Lu, de maneira fascinada.
– Na verdade sim, mas eu faço a minha própria sorte.
– Como assim?
– Mesmo sendo um viciado, eu que escolho dar mais um tiro, sabe? Tá sempre na minha mão escolher se paro de uma vez por todas com essa merda que vai acabar me matando, ou se continuo e morro logo.
– Entendi... – disse Lu com olhar perdido. – Tá, agora a gente pode foder?
E começaram num ritmo meio lento, não tão à vontade; depois deram mais alguns tiros, fumaram um baseado e transaram mais. “VOU PEDIR ALGUMAS CERVEJAS PRA GENTE!”, disse Sérgio aos dois; discou para a recepção e pediu um balde com doze latas de cerveja; “ELES JÁ VÃO TRAZER”; aproximou-se de Lu e a beijou freneticamente; passou a língua atrás de sua orelha esquerda, enquanto Gerson beijava os seus seios.
– Isso! – dizia Lu. – Quero que vocês dois me fodam! Vem você aqui na frente, amor; e você aqui atrás, Sérgio.
E transaram por algumas horas, sempre alternando o sexo entre alguns tiros e uns tragos no baseado.
...
– Incrível! – disse Lu. – Você fez uma mulher muito feliz, cara.
            Sérgio sorriu, meio acanhado; seus olhos diziam “Não há de quê”. Gerson preparava mais um cigarro de maconha. Fumaram o último baseado juntos e depois Sérgio disse que voltaria ao seu quarto.
            – Anota o nosso telefone. – sugeriu Gerson; Lu não conseguiu disfarçar o instantâneo contentamento.
            – Qual o número?
            – É tal. – e disse o número. – Ah, não esquece que tem que colocar a porra do nove agora, tá?
            – Ok. Tá salvo.
            – Mas é pra ligar, viu! – disse Lu ao rapaz ao mesmo que ria. – Foi um prazer quase inimaginável foder com você, Sérgio. Aliás, com os dois. – e beijou o namorado.
            Eles se despediram com um selinho.
***
Eles
Os dois se abraçaram e um honesto “obrigado” saiu dos lábios de Lu; se deitaram a fim de descansar um pouco, mas acabaram pegando no sono.
***
Ele
Sérgio seguiu para o seu quarto, arrumou as suas coisas e saiu sozinho, da mesma maneira que entrou.

Gilmar Ribeiro (piu!)
23/10/2012, às 22h18
Não revisado