domingo, 23 de dezembro de 2012

25 de dezembro



     Façamos uma análise dessa maravilhosa época que é o Natal: tem propaganda mostrando como é fácil preparar o peru da Sadia; tem emaranhado de pisca-piscas mal colocados nas varandas; preços exorbitantes dos panettones top (Bauducco, Visconti, Nestlé...), enquanto os tidos como “genéricos” são abandonados nas prateleiras; quantia considerável do 13° gasta em presentes caros e/ou supérfluos e, como não poderia faltar, muita hipocrisia e tapinha nas costas: “FELIZ NATAL, querida”.
            25 de dezembro, dia em que se comemora(ria) o nascimento de Cristo. Ah, mas isso já faz tempo, não? E Ele que me perdoe, mas é assim que levamos o nosso Natal: vazio, sem graça e sem cor. Roupinha vermelha do Santa Claus uma ova! Dizem (as más línguas bolcheviques) que o bom velhinho usava verde, mas se vendeu a uma grande indústria petrolífera – mesma fabricante da Coca-Cola® –, daí passou a usar o gorrinho vermelho.
            Natal americanizado. Até a ideia de neve nós compramos – e vendemos!. Detalhe: vivemos num país tropical, abençoado por Deus... Vale a repetição: país tropical. Neve? Só se for no Sul do Brasil – isso se os turistas tiverem sorte. E a chaminé? Ah, essa sim me fascina. É sério, você conhece alguém que tem chaminé em casa? Provavelmente não.
            Também tem as cartinhas destinadas ao bom velhinho. Antigamente eram pedidos bonitinhos, com brinquedos simples, como bolas, bonecas de pano, peões... Agora são pedidos caríssimos: Smartphones, Tablets, Home Theaters, TVs de led 42”... Enfim, a lista é vasta e repleta de coisas inúteis, mas que ninguém consegue ficar sem. Daí talvez um bom motivo para mudarmos o conceito de “inutilidade”. (Fazer nota disso). Ah, e nem precisa mais ficar mais naquela neurose de ser uma boa criança; hoje em dia qualquer fedelho mal-criado recebe os presentes oriundos do saco do Papai.


            E a ceia de Natal? Essa é maravilhosa. Sempre vem aquele seu tio cuzão irreverente que se acha o máximo, que conta as melhores piadas e faz todo mundo rir – mesmo que forçadamente; sempre tem aquele comboio de primos que você nem sabia que existia: Cleber, Vinicius, Maricélia, Aninha, Júlia, Henrique, Cauê, Pedrinho, Tiago, Stefan, Jaqueline, Leandro, Davi, Eric... Ufa! Mas a melhor parte da ceia (na verdade a única parte que vale a pena) é a comida: tem arroz de forno, peru de Natal (Sadia, é claro), farofa, cuscuz paulista, torta de frango, mesa de frutas, pudins, manjar de coco, gelatinas... Hmm, até salivei!
Também tem o “Roberto Carlos Especial”. Especial por quê? Tá certo que é só uma vez ao ano, mas é todo ano – isso sem falhar NUNCA! Não vejo nada de especial numa coisa que sabemos, com mais de 300 dias de antecedência, que irá acontecer. Sem contar o número alarmante de velhinhas que enfartam durante o show. Roberto Carlos Especial é um problema de saúde pública!
Enfim, Natal é isso: fazer uma decoração tosca e mal diagramada na varanda de casa; consumir panettones genéricos com demasiado ânimo e felicidade (afinal, é melhor do que nada); colocar Jesus para escanteio; pedir presentes caros e desnecessários (trabaia não pra vê!); se empanturrar com tudo que aparecer na frente... Enfim, Natal é isso: FELIZ NATAL, Fulano (a) – seja lá o que isso signifique.

Gilmar Ribeiro (piu!)
24/12/2021, às 01h48
Não revisado.

domingo, 25 de novembro de 2012

Pipoca do diabo



E caminhava cautelosamente pelas ruas de seu bairro; já passava das 21h15. Não devia nada a ninguém, mas, devido essa terrível onda de ataques inesperados – até porque se fossem esperados não seriam ataques –, ele vivia constantemente refém do medo.
Se passasse uma moto qualquer na rua já imaginava  a pior das cenas: PÁ-PÁ! E estaria morto, caído ao chão. Se visse um propício assassino na sinistragem das ruas (como ele mesmo dizia) já era sinal de alerta, pois, a qualquer momento, PÁ-PÁ! E tudo estaria fatalmente acabado. Se alguém parasse para lhe pedir informação PÁ-PÁ! Carros pretos PÁ-PÁ! Não podia vacilar.
Seus pensamentos circundavam a mórbida e já obsessiva ideia de morte por arma de fogo. Não conseguia pensar em outra coisa se não em PÁ-PÁ-PÁ! Desconfiava de todos: homens, mulheres, civis, fardos à paisana, usuários de entorpecentes, meninos vida-loka...
Viu passar o velhinho que vende pipocas; desejou-lhe boa noite e sorte nas vendas. Continuou pensando em toda a terrível onda de violência urbana que o aprisionava em um mun... PÁ-PÁ-PÁ! Abruptamente o velhinho tirou um 38 de dentro das pipocas e o matou à queima roupa.

Gilmar Ribeiro (piu!)
26/11/2012, às 00h57
Não revisado

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Literalmente gatuno



                 – Prendam-no! – gritou a voz de dentro da biblioteca pública.
            Ele saiu às pressas, ao mesmo que fingia que não era com ele; parou um pouco, levantou a camisa para que vissem que não portava nada – os livros estavam dentro de suas cuecas –, e em seguida desatinou a andar mais rápido. Foi interceptado a algumas quadras por um carro vermelho. Teve uma cínica expressão de “Que foi?!”. O homem abaixou o vidro do carro e disse:
            – O senhor faça a gentileza de devolver os livros que roubou!       
– Livros?
Ele tinha muitos talentos e, sem sombra de dúvidas, o cinismo era um dos mais notáveis; levantou novamente a camisa e disse, fingindo admiração:
– Não roubei nenhum livro!
– Eu escutei a sirene da biblioteca. Sai correndo e sei que foi você, seu trombadinha!
– Certamente a tal sirene está com defeito, oras! E eu gostaria que o senhor me tratasse com mais respeito.
– Devolva-me os livros, seu moleque!
– Não devolvo nada! – vacilou – Digo, não devolvo porque não roubei nada. Não sou ladrão!
– Isso é o que veremos. – fez sinal para um carro de polícia que passava.
– Boa tarde, senhor policial. Esse moleque acabou de roubar um livro. – e apontou para o menino.
– Não roubei nada, veja. – e mais uma vez levantou a camisa para que verificassem que, de fato, não havia roubado nada – Acontece que esse senhor me pegou para Cristo e está me difamando.
– Cínico! – disse o homem em tom agressivo.
– O senhor trabalha na biblioteca? – perguntou o policial.
– Trabalho sim, senhor.
– Então tá, conte-me o que houve, calmamente. – o policial ainda estava no carro.
– Acontece que esse moleque...
– Mais respeito, por favor!
– É só o que me faltava: ter respeito por um ladrãozinho! – disse ironicamente o homem da biblioteca.
– Não sou ladrão! – disse novamente o menino em seu próprio favor – Acontece que esse senhor...esse senhor... – fungou e fingiu pranto – Meu Deus! – e seu cinismo ia ao ápice.
– Então, o que houve? – tornou a perguntar o policial.
– O que houve foi que esse tipo aí, ó – e apontou para o menino – acabou de roubar um livro na biblioteca.
– Eu não roubei nada. Eu juro. – e seu pranto era digno de um Globo de Ouro.
– Olha, você pode ir embora, meu filho. – disse o policial ao menino.
– O QUÊ?! NÃO ME DIGA QUE VAIS LIBERAR ESSE MARGINAL, ESSE DELINQUENTE DE UMA FIGA?! NÃO PODE SER!
– O senhor não tem nenhuma prova de que este menino furtou alguma coisa. E a polícia tem mais o que fazer, meu senhor.
– Mas a sirene...
– A sirene deve estar com algum defeito, oras. – disse o menino com leve tom de ironia enquanto secava as falsas lágrimas.
– Com defeito deve estar a...
– Mais respeito, por favor. – pediu calmamente o militar.
– RESPEITO É UMA PINOIA!
– Se o senhor não se controlar, terei de levá-lo a delegacia por desacato*.
– Mas o culpado é ele! – e apontou para o menino – Ele que roubou um livro.
– O correto seria “furtou”, caso eu tivesse furtado alguma coisa. – corrigiu o menino ao mesmo que deixou escapar um leve sorriso irônico.
– Mas... Mas...
E o homem não encontrou palavra alguma que lhe  servisse de argumento; se calou e concordou em libertar o lisíssimo gatuno literário; este se viu livre de responder por furto de romance histórico duplamente qualificado e, também, extravio de obra literária realista. A pena prevista para esses hediondos crimes é de três a seis meses de serviço voluntário em alguma escola pública.

[*... Faltar com o respeito para com um funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Isto é, incorre nesse crime aquele que ofende o agente público em serviço, bem como aquele que ofende alguém em razão de função pública que este exerce. A pena prevista é de detenção, de 6 meses a 2 anos, ou multa, segundo o artigo 331 do Código Penal...]


Gilmar Ribeiro (piu!)
19/11/2012, às 16h47
Não revisado