sexta-feira, 6 de abril de 2012

Lata de ervilhas

Sinto-me inquieto, insone. Não há literatura que dê fim ao sono. Li alguns contos de Lygia Fagundes Telles, algumas crônicas de Rubem Braga, um trecho de Admirável Mundo Novo... Nada me cansa as vistas. Acho que é por causa do pesadelo que tive na madrugada de segunda para terça... ou de terça para quarta, não lembro. Era tarde, já passava das 01h30. Assistia tevê, um talkshow qualquer, com banda, convidados, reportagens despretensiosas e tudo mais. Programei o sleep para 45 minutos. Ao fim do tempo a tevê desligou e eu, envolvido por um tédio sem fim, custei a dormir. Acho que rolei por meia-hora pela cama encostada na parede com cheiro de mofo – a umidade estava terrível, coisa bem comum nessa época do ano –, e só depois adormeci.

Acordei aos berros, com a nuca encharcada de suor. Estava sozinho em casa. Minha mãe estava na casa da tia Irma, que não vai bem de saúde – não sei por que não morre logo a infeliz. Tive um sonho horrível: sonhei que era brutalmente assassinado por três bandidos. Sonho horrível mesmo. Estávamos numa festa, Fabrício e eu, e arrumávamos confusão com uns delinquentes. Fomos rendidos e depois levados a um galpão vazio, com cheiro de urina – pude sentir o mau-cheiro no sonho. Era um preto de dentes podres, com cara de quem mata por meio tostão, um gordo alto, carrancudo, de brincos brilhantes e outro moleque com aspecto de sujo, de cara sardenta, parecia uma banana podre. Éramos assassinados ao som estrondoso das metralhadoras, seguido das risadas sádicas e secas. Até mesmo senti o calor dos projéteis atravessando meu corpo imóvel.  Acordei atônito e ofegante. Cobri a cabeça como  uma criança assustada, numa tentativa frustrada de me esconder do que quer que seja. Fiquei apavorado, sem conseguir respirar direito. Ao cabo de 10 minutos me levantei. Caminhei um pouco pelo quarto. Olhei-me no espelho: tinha cara de pânico, como quem tinha visto a morte de perto. Tomei um gole d’água.

Não hesitei em mandar uma mensagem de texto para o Fabrício: “Cara, tive um sonho horrível: sonhei que éramos metralhados por três bandidos. Sei que é paranóia, mas você está bem? Desculpe-me pelo horário. Cláudio”. Ao fim de 15 minutos o filho da puta não tinha respondido. Fiquei preocupado. Achei que alguma coisa tinha acontecido. E pior que estava sozinho em casa. Mandei outra mensagem: “Fabrício, você pegou minha mensagem? Responde, por favor! Cláudio”. Não muito tempo depois obtive a resposta: “Peguei a porcaria da mensagem. Estou bem sim. Agora se você não me deixar dormir eu mesmo vou te metralhar, seu cachorro! Vê se dorme. Fica com Deus”. Fiquei aliviado em saber que ele estava bem. Tomei outro gole d’água.

O relógio marcava 04h35 da manhã. Poderia tentar descansar as vistas, talvez se tomasse um dos calmantes do meu padrasto. Garanto que ele nem perceberia, vive sempre bêbado o desgraçado. Sai procurando a caixa de remédios. Onde está... Onde está... Aqui! Olho a data de validade: 07/2006. Droga! Vou até o quarto da minha irmã mais velha – que estava na casa do namorado –, e procuro a caixinha de maconha dela. Talvez se fumar um baseado consiga dormir. Nada. Mando uma mensagem: “Si, onde tá o seu kit beck? Tô precisando. Cláudio”. Nada da vadia responder. Decerto está transando. Desisto e vou para o quarto.


Tranco a porta. Olho em baixo da cama, com ar de assombrado. Ajoelho-me e arrisco uma oração: “Pai Nosso que estais no Céu... Santificado seja o Vosso nome... Venha a nós...”. Pro inferno com isso! Acendo um cigarro. Fico admirado olhando para o teto, pensando no terrível sonho que tive, pensando nos rostos dos sacanas que me vararam como se eu fosse uma lata de ervilhas. Pensando, em voz alta: que diabos o Fabrício quis dizer com “fique com Deus”?


Gilmar Ribeiro (piu!)
18 de novembro de 2011, 11:06
*Não revisado 

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