Trepamos por duas horas ininterruptas, depois ela acendeu um cigarro e me encarou por algum tempo.
– Você é divertido, sabia?
– É?
– Unhum.
– Qual é mesmo o seu nome?
– Verônica.
Depois nos beijamos um pouco mais; Verônica tinha um gosto amargo de nicotina na boca.
– O seu é Ribamar, certo?
– Não. Ribamar é o meu irmão mais velho.
– Sim, sim.
– Eu sou o Ricardo. Mas pode me chamar de Ri.
– Ri?
– Sim.
...
Verônica acendeu outro cigarro.
– Você tem mesmo que fumar essa droga?
– Isso não é droga
– Não? E que cigarro é esse?
– Vila Rica.
– ha ha ha ha...
– Qual é a graça?
– É que eu ia comprar esse cigarro para a minha irmã mais velha, quando ela fumava escondido; eu ia no ponto de ônibus que tinha perto de casa.
– É mesmo, isso é cigarro de ponto de ônibus. ha ha ha...
– Melhor que Eight.
– Eu fumo Eight de boa.
– Tá doida, é cigarro de mendigo!
– É nada. Só tem que se acostumar.
– Acostumar a quê, à ideia de um enfisema pulmonar?
– Idiota! ha ha ha ha...
...
– Você vai ficar aí em pé, me olhando?
– Já vou deitar.
– Vem logo que ele quer mais.
– Um minuto.
– O que, que cê tá fazendo, Verônica? Deita um pouco aqui comigo.
Verônica acendeu mais um cigarro e me disse:
– Tou pensando numa coisa.
– Em quê?
– Acho que vamos morar juntos. – disse com serena naturalidade.
– Como é?
– É só por uns três dias.
– Três dias?!
– Olha, eu fico quietinha, você nem vai me notar.
– Não sei não, hein...
– Relaxa. E cadê ele que agora é ela que quer mais.
...
– Verônica, cê viu tal coisa?
– Não.
– Porra, tava aqui não faz dois minutos.
– Será que você não esqueceu na casa de Fulano?
– Não. Tava aqui, ó.
– Não vi. – e balançava a cabeça negativamente.
– Engraçado...
...
– Tou com fome.
– Tem arroz no armário e carne na geladeira. Descongela no micro-ondas.
– Ahhhhhh! – disse histérica – Agora você quer que eu cozinhe?!
– Não, não é isso. É que...
– Ai! Prepara alguma coisa pra mim, vai! – e saiu em direção ao quarto; concluiu: – E PREPARA UM SUCO!
...
– Verônica, você vai demorar?
– Não. Já tou saindo.
– É que eu tou atrasado para o trabalho.
– Um minuto.
– Eu tou apertado. Preciso mijar, caralho!
– Ai, que saco! Não se tem privacidade por aqui, viu! – e saiu, revoltadíssima.
...
Demorou um pouco, mas, depois de algum tempo de perpétua convivência, disse a real para a menina:
– Você precisa ir embora.
– Mas por quê?
– Verônica, você está aqui há... – olhei no relógio e concluí, admirado: – Há sete horas! E já torrou o que me era possível ter de paciência. Você vai embora.
– Mas eu não...
– Mas nada, Verônica. Cê vai embora e ponto final.
– Então me deixa pelo menos tomar um banho. Ok?
– Só um banho?
– Claro. Depois vou embora. Prometo.
– Não sei...
– Palavra de honra.
– Tá. Vou te pegar uma toalha.
...
Verônica estava no banheiro há algum tempo; estranhei que o chuveiro estivesse desligado, mas não falei nada; “Deve tá fazendo coisa de mulher”, pensei.
...
Passado mais de vinte minutos de surdez completa no banheiro – não se ouvia nem um piu – bati à porta:
TOC TOC TOC
– Verônica?
Nenhuma resposta.
TOC TOC TOC
– Verônica?
Entrei no banheiro e dei com as vistas em Verônica, caída ao chão; ao lado havia uma cartela de Lexotan.
Gilmar Ribeiro (piu!)
19/10/2012, às 11h12
Não revisado
Muito boa...adorei a simplicidade da tragédia, ligeiramente machadiana.
ResponderExcluirAgora quem está com sentimento de "como não pensei nisso antes?" sou eu.