sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Lady V.



Trepamos por duas horas ininterruptas, depois ela acendeu um cigarro e me encarou por algum tempo.
            – Você é divertido, sabia?
            – É?
            – Unhum.
            – Qual é mesmo o seu nome?
            – Verônica.
            Depois nos beijamos um pouco mais; Verônica tinha um gosto amargo de nicotina na boca.
            – O seu é Ribamar, certo?
            – Não. Ribamar é o meu irmão mais velho.
            – Sim, sim.
            – Eu sou o Ricardo. Mas pode me chamar de Ri.
            – Ri?
            – Sim.
            ...
            Verônica acendeu outro cigarro.
            – Você tem mesmo que fumar essa droga?
            – Isso não é droga
– Não? E que cigarro é esse?
            – Vila Rica.
            – ha ha ha ha...
            – Qual é a graça?
            – É que eu ia comprar esse cigarro para a minha irmã mais velha, quando ela fumava escondido; eu ia no ponto de ônibus que tinha perto de casa.
            – É mesmo, isso é cigarro de ponto de ônibus. ha ha ha...
            – Melhor que Eight.
            – Eu fumo Eight de boa.
            – Tá doida, é cigarro de mendigo!
            – É nada. Só tem que se acostumar.
            – Acostumar a quê, à ideia de um enfisema pulmonar?
            – Idiota! ha ha ha ha...
            ...
            – Você vai ficar aí em pé, me olhando?
            – Já vou deitar.
            – Vem logo que ele quer mais.
            – Um minuto.
            – O que, que cê tá fazendo, Verônica? Deita um pouco aqui comigo.
            Verônica acendeu mais um cigarro e me disse:
            – Tou pensando numa coisa.
            – Em quê?
            – Acho que vamos morar juntos. – disse com serena naturalidade.
            – Como é?
            – É só por uns três dias.
            – Três dias?!
            – Olha, eu fico quietinha, você nem vai me notar.
            – Não sei não, hein...
            – Relaxa. E cadê ele que agora é ela que quer mais.
            ...
            – Verônica, cê viu tal coisa?
            – Não.
            – Porra, tava aqui não faz dois minutos.
            – Será que você não esqueceu na casa de Fulano?
            – Não. Tava aqui, ó.
            – Não vi. – e balançava a cabeça negativamente.
            – Engraçado...
            ...
            – Tou com fome.
            – Tem arroz no armário e carne na geladeira. Descongela no micro-ondas.
            – Ahhhhhh! – disse histérica – Agora você quer que eu cozinhe?!
            – Não, não é isso. É que...
            – Ai! Prepara alguma coisa pra mim, vai! – e saiu em direção ao quarto; concluiu: – E PREPARA UM SUCO!
            ...
            – Verônica, você vai demorar?
            – Não. Já tou saindo.
            – É que eu tou atrasado para o trabalho.
            – Um minuto.
            – Eu tou apertado. Preciso mijar, caralho!
            – Ai, que saco! Não se tem privacidade por aqui, viu! – e saiu, revoltadíssima.
            ...
            Demorou um pouco, mas, depois de algum tempo de perpétua convivência, disse a real para a menina:
            – Você precisa ir embora.
            – Mas por quê?
            – Verônica, você está aqui há... – olhei no relógio e concluí, admirado: – Há sete horas! E já torrou o que me era possível ter de paciência. Você vai embora.
            – Mas eu não...
            – Mas nada, Verônica. Cê vai embora e ponto final.
            – Então me deixa pelo menos tomar um banho. Ok?
            – Só um banho?
            – Claro. Depois vou embora. Prometo.
            – Não sei...
            – Palavra de honra.
            – Tá. Vou te pegar uma toalha.
            ...
            Verônica estava no banheiro há algum tempo; estranhei que o chuveiro estivesse desligado, mas não falei nada; “Deve tá fazendo coisa de mulher”, pensei.
            ...
            Passado mais de vinte minutos de surdez completa no banheiro – não se ouvia nem um piu – bati à porta:
            TOC TOC TOC
            – Verônica?
            Nenhuma resposta.
            TOC TOC TOC
            – Verônica?
            Entrei no banheiro e dei com as vistas em Verônica, caída ao chão; ao lado havia uma cartela de Lexotan.


Gilmar Ribeiro (piu!)
19/10/2012, às 11h12
Não revisado

Um comentário:

  1. Muito boa...adorei a simplicidade da tragédia, ligeiramente machadiana.
    Agora quem está com sentimento de "como não pensei nisso antes?" sou eu.

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