domingo, 24 de janeiro de 2010

A ÚLTIMA FOLHA

Esta é a última folha do meu caderno. O que devo escrever? O que deve ser depositado nela? Sentimentos? Vontades? Angústias? Simples imaginação? Ainda não tenho certeza, mas não quero que esta folha seja encarada como meu vizinho do 314, o seu Omar, e seja vista unicamente como desperdício. Mas o que devo escrever?

Talvez deva usá-la como rascunho para as minhas tarefas da semana que vem, fazer a lista de compras do supermercado ou escrever um bilhete para minha mãe e afixá-lo na geladeira. Ainda não tenho certeza se devo anotar alguns telefones ou fazer sei lá o quê.

Coço a barba de maneira pensativa, mas parece que as ideias estão extintas de dentro de mim. Penso que o melhor a fazer é pegar o dicionário, procurar algumas palavras que não conheço e escrevê-las, para fixar bem na cabeça. Palavras como “antropônimo” e “mitomania” são-me apresentadas pelo Aurélio. Mas será que é válido marcá-las no papel? Decido tomar um gole d’água.

Sento-me de novo à mesa. Estou cara a cara com a folha de papel e esta parece me desafiar. Começo a morder a tampa da caneta, como sinal de ansiedade. Olho ao redor e nada, nenhuma ideia. Acendo um cigarro e vejo-o queimando na janela, só para passar o tempo. Agora são 04:23.

Levanto-me. Dou voltas e mais voltas ao redor da mesa. Abro e fecho a porta do armário umas três ou quatro vezes. Olho para o teto e para as paredes... Escuto, atenciosamente, o tic-tac do relógio da cozinha. A tensão tomou conta de mim e me impediu de pensar, de organizar as ideias, raciocinar e depois passá-las para o papel.

Está é a minha última folha, a única que restou. Não há mais nenhuma outra. Depois dela terei de ir até a papelaria e comprar outro caderno, e então continuar fazendo o que acho que sei fazer, o que acredito ser bom: escrever.

Só queria dar à minha última folha uma maior utilidade, e esta corresponde com deboche, ri da minha cara, faz parecer que o inútil seja eu, transfere para mim o cargo de “desperdício”.

Minha respiração está eufórica, meu corpo treme de raiva, minhas mãos pingam em suor, e ela está lá, paradinha, olhando para mim, se divertindo à minha custa. Então eu, já sem condições de conceber tais situações, arranco a folha do caderno, a amasso e jogo no lixo. Exclamo, alto o suficiente para acordar a casa toda: “MAS QUE PORRA!”.


Gilmar Ribeiro (piu!)

14.01.2010, às 04:48.
*Revisado por Wagner Belmonte (jornalista e professor universitário).

3 comentários:

  1. O texto esta muito atraente, mas alguns meros detalhes o aperfeiçoariam de forma ser agradabilíssimo aos olhos...tire o palavrão pois ele o torna limitado, expanda a sua mente e o deixe com um toque a mais de criatividade artística, ao qual não pode faltar a um jornalista literário...

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  2. Ah, lembro-me de ter lido este texto uma vez... ano passado!
    Muito bom...
    Me lembrei também de quando você comentou comigo, ao ler um de meus textos que às vezes começamos sem ideia nenhuma, e então falamos da falta de ideias e eis que surgem valiosíssimos textos, como este!

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  3. Peço perdão pelo meu momento EPA, me confundi... não li ano passado, li esse ano mesmo, pq esse texto foi escrito em janeiro...
    Ai ai... o que a semana de provas não faz com uma pessoa até então sã, não é?
    hehehe

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